segunda-feira, 30 de maio de 2011

Avaliação clínico-cardiológica e ecocardiográfica, seqüencial, em crianças portadoras da síndrome de Marfan

FICHAMENTO-ARTIGO 9
Ficha de Resumo


Avaliação clínico-cardiológica e ecocardiográfica, seqüencial, em crianças portadoras da síndrome de Marfan   

Arq. Bras. Cardiol. vol.85 no.5 São Paulo Nov. 2005 doi: 10.1590/S0066-782X2005001800003 






Victor Manuel Oporto Lopez; Ana Beatriz Alvarez Perez; Valdir Ambrósio Moisés; Lourdes Gomes; Patricia da Silveira Pedreira; Célia C. Silva; Orlando Campos Filho; Antônio Carlos C. Carvalho- Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo, SP.



A síndrome de Marfan é uma doença do tecido conjuntivo, de origem genética, autossômica dominante e de expressividade variável, que acomete principalmente os sistemas esquelético, ocular e cardiovascular. A prevalência se estima ao redor de 1/10.000 indivíduos. Porém, outras estimativas elevam esses números até 4 a 6/10.000 indivíduos. A origem da doença se encontra numa mutação no gene da fibrilina (FBN-1). As principais alterações cardiovasculares são a ectasia ânulo-aórtica e o prolapso valvar mitral. Por conta dessas alterações a expectativa de vida até poucos anos atrás era até a terceira ou a quarta décadas de vida, mas nos últimos anos houve uma melhora significativa do prognóstico em razão do maior conhecimento da doença e das técnicas de intervenção cirúrgica.
A maioria dos trabalhos na literatura inclui pacientes adultos; porém, a população pediátrica não se encontra livre de complicações. Assim, os objetivos deste estudo foram descrever a apresentação clínico-cardiológica e sua evolução temporal, estimar a incidência de ectasia ânulo-aórtica e de prolapso da válvula mitral, bem como avaliar a tolerância e a efetividade dos betabloqueadores em crianças com síndrome de Marfan.
Entre janeiro de 1999 e novembro de 2000, foram avaliadas, de forma prospectiva, 21 crianças portadoras da síndrome de Marfan, 13 (62%) do sexo masculino e 8 (38%) do feminino. A síndrome foi confirmada em todos os pacientes utilizando os critérios revisados. A idade variou dos nove meses aos dezesseis anos, com mediana de dez anos. O peso dos pacientes variou de 8 a 70 kg. O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todos os responsáveis legais pelas crianças assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para sua inclusão no estudo.
Foram obtidos radiografia de tórax na primeira consulta e eletrocardiograma em cada retorno. Os pacientes foram mantidos sob uso de betabloqueador, exceto aqueles com alguma contra-indicação; nas crianças menores foi utilizado propranolol e nas demais o atenolol. Não foi possível obter a pressão arterial sistêmica em todas as crianças, sendo a dose administrada de betabloqueador baseada apenas na freqüência cardíaca, ou seja, a dose necessária para manter a freqüência cardíaca ao redor de 60 bpm, ou a dose máxima do medicamento para o peso. Todos os pacientes em idade escolar receberam orientação para o afastamento de atividades físicas de nível competitivo.
O teste utilizado para a análise de duas médias foi o teste pareado ou t de Student para amostras relacionadas, no caso, a comparação com um ano de seguimento do crescimento da raiz aórtica e do comportamento da freqüência cardíaca sob efeito de betabloqueador, sendo considerado significante um valor de p < 0,05. O teste utilizado para a análise da variação interobservador do refluxo mitral foi o teste de Kappa.
Todas as crianças mantiveram-se assintomáticas durante o ano de acompanhamento e não mostraram sinais de insuficiência cardíaca, mesmo as poucas crianças com refluxos valvares significativos. Não foram encontradas assimetrias na palpação dos pulsos periféricos. Uma criança de dois anos foi submetida à substituição da aorta ascendente com a técnica de Bentall-De Bono, em razão da ectasia ânulo-aórtica importante com rápido crescimento da aorta ascendente e agravamento do refluxo aórtico.
A síndrome de Marfan é uma doença hereditária, ocasionada por uma mutação no gene da fibrilina, que se localiza no cromossomo 15. Em 1972, Murdoch e cols.demonstraram a precoce mortalidade dos portadores da síndrome de Marfan, entre a terceira e a quarta décadas de vida; porém, com uma quantidade nada desprezível de mortes abaixo dos vinte anos (25% do total de óbitos da série estudada). A causa da morte foi cardiovascular em 93% dos casos, sendo na grande maioria das vezes secundária a ruptura, dissecção ou insuficiência aórtica. Posteriormente, outros estudos demonstraram uma melhora significativa da sobrevida a partir de avanços no diagnóstico, tratamento clínico e, sobretudo, da indicação e técnicas cirúrgicas. Recentemente Gott e cols.mostraram a importância da cirurgia eletiva na ectasia ânulo-aórtica, com baixa mortalidade operatória. Em contraste, cirurgia de emergência esteve associada com uma mortalidade muito mais elevada.
Embora todos os nossos pacientes tenham se mantido assintomáticos, uma criança de dois anos de idade, portadora da forma neonatal, a forma mais grave da doença, precisou da substituição da aorta ascendente com tubo valvado por ectasia importante (técnica de Bentall-De Bono). Essa criança já se apresentou na primeira avaliação com 26 mm de raiz aórtica (máximo normal para o peso de 17 mm), e refluxo aórtico discreto, evoluindo posteriormente com um crescimento da raiz aórtica de 5 mm em apenas um ano (crescimento de 19%), atingindo 31 mm de diâmetro e piora do refluxo aórtico, fazendo-se necessária a correção, mesmo com a criança assintomática, em razão do risco iminente de ruptura ou dissecção aórticas. Essa criança encontra-se atualmente em bom estado geral e em uso de ácido acetilsalicílico como antiagregante plaquetário, em razão da presença da prótese mecânica em posição aórtica.
No trabalho de Shores e cols., que incluiu adultos e adolescentes, a razão de crescimento aórtico (diâmetro aórtico medido dividido pelo esperado) foi de 0,023 no grupo tratado versus 0,084 no grupo controle. Outro trabalho mostrou um crescimento de 2,1±1,6 mm/ano, no grupo não tratado, contra 0,7±1,8 mm/ano e 1,1±1,1 mm/ano em dois grupos de pacientes tratados com atenolol ou propranolol, todos eles com p < 0,05. Um possível motivo para a maior velocidade de crescimento da raiz aórtica no nosso grupo pode ser a faixa etária estudada, pois o crescimento relativo da raiz aórtica é maior na infância e adolescência do que na idade adulta, e em parte porque, em nosso grupo, uma criança portadora da forma neonatal foi responsável, isoladamente, por 5 mm de aumento, representando 19% do diâmetro inicial.
A imagem ecocardiográfica da ectasia ânulo-aórtica é característica na síndrome de Marfan (formato em "moringa"), com o maior grau de dilatação nos seios de Valsalva, estendendo-se para a junção sino-tubular. Durante a progressão da dilatação, esta pode comprometer o resto da aorta ascendente e o arco. A dilatação da raiz aórtica predispõe também à falha de coaptação central e ao refluxo valvar aórtico.
Embora outros autores também tenham relatado as alterações na aorta ascendente como as mais graves lesões na síndrome de Marfan em crianças, vários livros de texto de cardiologia ainda indicam as lesões da valva mitral como as mais importantes no grupo pediátrico, em parte pelo material consultado incluir dados da época em que não se contava com o apoio do ecocardiograma como método rotineiro para avaliação da raiz aórtica. É sabido que apenas a radiografia simples de tórax não permite uma avaliação completa dessa porção da aorta. Vários estudos que acusavam a valva mitral como a principal causa de morbimortalidade no grupo pediátrico foram realizados em crianças acometidas pela forma neonatal da doença, forma especialmente mais grave da doença na qual é mais freqüente o prolapso valvar mitral com refluxo importante e insuficiência cardíaca intratável.
Algumas limitações do estudo devem ser apontadas, como o número relativamente pequeno de pacientes da amostra e daqueles em que foi possível realizar duas avaliações no intervalo de um ano, período que poderia ser considerado curto; entretanto, como a criança usualmente tem crescimento rápido, as variações observadas podem refletir o real acometimento progressivo da raiz da aorta em crianças com síndrome de Marfan. O crescimento médio da raiz aórtica de 1,4 mm/ano, valor que embora para o grupo estudado seja estatisticamente significante, deve ser analisado com cuidado, pois variações da ordem de 1 mm podem ser observadas na prática diária, sem significado clínico; contudo, deve-se salientar que ao final do estudo havia ectasia ânulo-aórtica em 76%, considerando-se o valor de referência para o peso.
Apesar das limitações apontadas, os resultados obtidos sugerem que no período observado as crianças permaneceram assintomáticas, o uso de betabloqueadores permitiu uma diminuição significante da freqüência cardíaca e não se acompanhou de efeitos adversos significativos. Ao contrário da literatura, a incidência de ectasia ânulo-aórtica foi elevada (72%) e maior do que a de prolapso valvar mitral (52,4%), e teve crescimento de 1,4 mm/ano, mesmo na vigência de uso eficaz de betabloqueador.


Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2005001800003&lang=pt

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