FICHAMENTO-ARTIGO 7
Ficha de Resumo
Anomalias oculares e características genéticas na síndrome de Marfan
Arq. Bras. Oftalmol. vol.65 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2002 doi: 10.1590/S0004-27492002000600005
Juliana Maria Ferraz Sallum, Chefe do Setor de Retina e Vítreo do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Realizou todos os exames oftalmológicos; Jane Chen,Aluna de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP; Ana Beatriz Alvarez Perez; Médica contratada, Doutora em Morfologia pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
A Síndrome de Marfan (OMIM #154700) é uma doença do tecido conjuntivo cujas principais manifestações fenotípicas envolvem os sistemas esquelético, cardiovascular e ocular. Trata-se de uma doença de herança autossômica dominante que apresenta expressividade variável e penetrância completa. Baseados em estudos bioquímicos e genéticos, hoje se considera o gene FBN-1 (fibrilina-1) (OMIM *134797) como o responsável pela Síndrome de Marfan. O gene FBN-1 foi localizado no cromossomo 15q21 e é composto de 65 exons.
As principais manifestações esqueléticas são: deformidades do tórax e da coluna, dolicostenomelia, aracnodactilia e estatura elevada. As principais manifestações oculares são: subluxação do cristalino, miopia e descolamento de retina. As principais manifestações cardíacas são: prolapso de válvula mitral, dilatação da aorta e aneurisma dissecante de aorta. Podem ocorrer também manifestações no sistema nervoso central, como ectasia dural, meningocele lombar e sacral, cisterna magna dilatada, distúrbio de aprendizado e hiperatividade.
Dentre os sinais clínicos da Síndrome de Marfan alguns são considerados sinais maiores por apresentarem maior freqüência e especificidade, são eles: subluxação do cristalino, dilatação da aorta ascendente, dissecção da aorta e ectasia dural. Muitas destas manifestações são idade dependentes, como a dilatação da aorta; e outras são de difícil investigação, como a ectasia dural. A Síndrome de Marfan apresenta grande variabilidade fenotípica inter e intrafamilial, o que torna o diagnóstico difícil.
Os principais diagnósticos diferenciais da Síndrome de Marfan que foram considerados incluem as doenças que apresentam a manifestação ocular mais notável desta síndrome, a subluxação do cristalino. São elas: síndrome de Weill-Marchesani e homocistinúria. O principal diagnóstico diferencial da Síndrome de Marfan Neonatal (SMN) deve ser feito com a aracnodactilia contratural congênita (ACC).
A homocistinúria (OMIM *236200) é um erro inato do metabolismo. É causado principalmente por deficiência da cistationina beta-sintetase levando à produção aumentada de homocisteína e metionina na urina, podendo ser também a manifestação de outras deficiências de enzimas do metabolismo da cisteína. É uma condição de herança autossômica recessiva e as principais manifestações clínicas envolvem os sistemas nervoso central, ocular, músculo-esquelético e vascular. Os pacientes podem apresentar retardo mental e desordens psiquiátricas. As manifestações oculares e esqueléticas são sugestivas de síndrome de Marfan exceto por apresentarem subluxação do cristalino mais comumente para baixo, mobilidade articular limitada e osteoporose. Apresentam também fenômenos tromboembólicos e hipopigmentação, sendo que na maioria dos pacientes a íris é de cor azul. Em todos os casos suspeitos de Síndrome de Marfan, a homocistinúria deve ser excluída através da análise de aminoácidos na urina e sangue.
A aracnodactilia contratural congênita (OMIM *121050) é uma doença do tecido conjuntivo de herança autossômica dominante. O gene responsável é o fibrilina-2 (FBN-2), localizado no cromossomo 5q23-31. As similaridades entre a SMN e a ACC grave são: aracnodactilia, contraturas congênitas múltiplas e algumas características faciais. Ambas apresentam anormalidades cardiovasculares severas que levam à morte precoce, mas as alterações cardíacas específicas são diferentes: na SMN pode ocorrer insuficiência valvular e dilatação da aorta, e na ACC, defeitos estruturais, sendo o prolapso de válvula mitral a principal manifestação. Escoliose e anomalias vertebrais tem maior prevalência na ACC. Atresias de duodeno e de esôfago, e má rotação intestinal só ocorrem nesta entidade. A ACC apresenta também orelhas pregueadas e complicações oculares variadas, dentre elas a miopia e o ceratocone.
Os objetivos deste estudo foram identificar as alterações oculares presentes em pacientes com a síndrome de Marfan, pesquisar mutações no gene da fibrilina, correlacionar as alterações oculares com as mutações encontradas e discutir o tratamento das alterações oculares.
No olho normal as moléculas de fibrilina ficam dispostas como contas de colar sobre o colágeno. Na Síndrome de Marfan a fibrilina anormal acarreta deslizamento das bandas de colágeno, provocando alongamento da zônula. Este alongamento da zônula provoca retração da cápsula cristaliniana com alteração secundária da forma do cristalino. O cristalino torna-se mais globoso pela falta de tensão zonular sobre a cápsula. Além disso, existem menos processos ciliares, os quais apresentam orientação irregular e sinais de degeneração. Na cápsula do cristalino a fibrilina anormal, localizada na região equatorial, leva a alterações no desenvolvimento e funcionamento do cristalino.
A subluxação do cristalino, também denominada "ectopia lentis", é a manifestação ocular mais comumente encontrada nesta síndrome. Refere-se ao deslocamento do cristalino da sua posição normal no eixo visual. Relatos da literatura demonstraram que 60 a 80% dos casos apresentam subluxação do cristalino. É usualmente bilateral e o cristalino pode estar deslocado em qualquer direção, sendo que em 77% dos casos encontra-se deslocado para cima, nasal superior ou temporal superior. A subluxação tem um caráter progressivo documentado em aproximadamente 7,5% dos casos de literatura.
O comprimento axial do globo ocular aumenta progressivamente nestes pacientes, o que contribui para o aumento do componente axial da miopia, o descolamento de retina e a subluxação do cristalino. A biometria e o ultra-som são úteis para o diagnóstico e acompanhamento do crescimento do diâmetro ântero-posterior. Este aumento do globo ocular causa complicações vítreo-retinianas semelhantes às da alta miopia, rarefação do epitélio pigmentário retiniano e degenerações periféricas da retina. Foi medido o comprimento axial do globo ocular em quatro pacientes que apresentavam alterações fundoscópicas de alta miopia para acompanhamento deste crescimento ao longo do tempo. Talvez este exame seja útil também para programação cirúrgica ou para se avaliar prognóstico cirúrgico.
As mutações relatadas na literatura que apresentam fenótipo de Síndrome de Marfan predominantemente ocular são as que ocorrem no éxon 21 que levam à mudança de aminoácido C890R e no éxon 59 com a mudança de aminoácido E2447K. A mutação encontrada em um paciente deste estudo foi de sentido trocado que ocorreu no éxon 28 levando à mudança de aminoácido C1166Y. A paciente é uma menina de 8 anos e nove meses, caso esporádico, filha de casal não consangüíneo. Apresentava subluxação do cristalino bilateral e alta miopia além de outras manifestações não oculares, correspondendo ao fenótipo de Síndrome de Marfan clássica.
O tratamento das alterações oculares se baseia no acompanhamento para diagnóstico precoce das complicações da subluxação do cristalino, glaucoma, e alterações vitreorretinianas, e correção óptica das ametropias. A prescrição de óculos pode ser difícil mas é a indicação na grande maioria dos casos. O uso de lentes de contato pode ser indicado para correção de afacia em alguns casos. A cirurgia para correção de subluxação com retirada do cristalino deve ser indicada apenas quando a correção óptica não for satisfatória, pois a incidência de complicações, como glaucoma e descolamento de retina, é alta. A técnica cirúrgica varia muito desde facoemulsificação à extração extra ou intracapsular, ou ainda lensectomia dependendo da localização e grau de subluxação do cristalino. Na opinião dos autores deste trabalho, a incidência de complicações parece ser mais freqüente nos casos com diâmetro antero-posterior do globo ocular aumentado.
As alterações oculares da Síndrome de Marfan são freqüentes e o conhecimento do gene responsável FBN-1 e de sua expressão no olho auxiliam o diagnóstico e tratamento destas anomalias. Este trabalho identificou uma mutação no gene da FBN-1 distinta das relatadas na literatura, uma mutação de sentido trocado que ocorreu no éxon 28 levando à mudança de aminoácido C1166Y. A correlação clínico-molecular ainda é difícil pois mutações no gene FBN-1 nem sempre são encontradas. Talvez porque as mutações não estejam nas áreas codificadas do gene ou porque existam outros genes responsáveis.
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492002000600005&lang=pt#back1
As principais manifestações esqueléticas são: deformidades do tórax e da coluna, dolicostenomelia, aracnodactilia e estatura elevada. As principais manifestações oculares são: subluxação do cristalino, miopia e descolamento de retina. As principais manifestações cardíacas são: prolapso de válvula mitral, dilatação da aorta e aneurisma dissecante de aorta. Podem ocorrer também manifestações no sistema nervoso central, como ectasia dural, meningocele lombar e sacral, cisterna magna dilatada, distúrbio de aprendizado e hiperatividade.
Dentre os sinais clínicos da Síndrome de Marfan alguns são considerados sinais maiores por apresentarem maior freqüência e especificidade, são eles: subluxação do cristalino, dilatação da aorta ascendente, dissecção da aorta e ectasia dural. Muitas destas manifestações são idade dependentes, como a dilatação da aorta; e outras são de difícil investigação, como a ectasia dural. A Síndrome de Marfan apresenta grande variabilidade fenotípica inter e intrafamilial, o que torna o diagnóstico difícil.
Os principais diagnósticos diferenciais da Síndrome de Marfan que foram considerados incluem as doenças que apresentam a manifestação ocular mais notável desta síndrome, a subluxação do cristalino. São elas: síndrome de Weill-Marchesani e homocistinúria. O principal diagnóstico diferencial da Síndrome de Marfan Neonatal (SMN) deve ser feito com a aracnodactilia contratural congênita (ACC).
A homocistinúria (OMIM *236200) é um erro inato do metabolismo. É causado principalmente por deficiência da cistationina beta-sintetase levando à produção aumentada de homocisteína e metionina na urina, podendo ser também a manifestação de outras deficiências de enzimas do metabolismo da cisteína. É uma condição de herança autossômica recessiva e as principais manifestações clínicas envolvem os sistemas nervoso central, ocular, músculo-esquelético e vascular. Os pacientes podem apresentar retardo mental e desordens psiquiátricas. As manifestações oculares e esqueléticas são sugestivas de síndrome de Marfan exceto por apresentarem subluxação do cristalino mais comumente para baixo, mobilidade articular limitada e osteoporose. Apresentam também fenômenos tromboembólicos e hipopigmentação, sendo que na maioria dos pacientes a íris é de cor azul. Em todos os casos suspeitos de Síndrome de Marfan, a homocistinúria deve ser excluída através da análise de aminoácidos na urina e sangue.
A aracnodactilia contratural congênita (OMIM *121050) é uma doença do tecido conjuntivo de herança autossômica dominante. O gene responsável é o fibrilina-2 (FBN-2), localizado no cromossomo 5q23-31. As similaridades entre a SMN e a ACC grave são: aracnodactilia, contraturas congênitas múltiplas e algumas características faciais. Ambas apresentam anormalidades cardiovasculares severas que levam à morte precoce, mas as alterações cardíacas específicas são diferentes: na SMN pode ocorrer insuficiência valvular e dilatação da aorta, e na ACC, defeitos estruturais, sendo o prolapso de válvula mitral a principal manifestação. Escoliose e anomalias vertebrais tem maior prevalência na ACC. Atresias de duodeno e de esôfago, e má rotação intestinal só ocorrem nesta entidade. A ACC apresenta também orelhas pregueadas e complicações oculares variadas, dentre elas a miopia e o ceratocone.
Os objetivos deste estudo foram identificar as alterações oculares presentes em pacientes com a síndrome de Marfan, pesquisar mutações no gene da fibrilina, correlacionar as alterações oculares com as mutações encontradas e discutir o tratamento das alterações oculares.
No olho normal as moléculas de fibrilina ficam dispostas como contas de colar sobre o colágeno. Na Síndrome de Marfan a fibrilina anormal acarreta deslizamento das bandas de colágeno, provocando alongamento da zônula. Este alongamento da zônula provoca retração da cápsula cristaliniana com alteração secundária da forma do cristalino. O cristalino torna-se mais globoso pela falta de tensão zonular sobre a cápsula. Além disso, existem menos processos ciliares, os quais apresentam orientação irregular e sinais de degeneração. Na cápsula do cristalino a fibrilina anormal, localizada na região equatorial, leva a alterações no desenvolvimento e funcionamento do cristalino.
A subluxação do cristalino, também denominada "ectopia lentis", é a manifestação ocular mais comumente encontrada nesta síndrome. Refere-se ao deslocamento do cristalino da sua posição normal no eixo visual. Relatos da literatura demonstraram que 60 a 80% dos casos apresentam subluxação do cristalino. É usualmente bilateral e o cristalino pode estar deslocado em qualquer direção, sendo que em 77% dos casos encontra-se deslocado para cima, nasal superior ou temporal superior. A subluxação tem um caráter progressivo documentado em aproximadamente 7,5% dos casos de literatura.
O comprimento axial do globo ocular aumenta progressivamente nestes pacientes, o que contribui para o aumento do componente axial da miopia, o descolamento de retina e a subluxação do cristalino. A biometria e o ultra-som são úteis para o diagnóstico e acompanhamento do crescimento do diâmetro ântero-posterior. Este aumento do globo ocular causa complicações vítreo-retinianas semelhantes às da alta miopia, rarefação do epitélio pigmentário retiniano e degenerações periféricas da retina. Foi medido o comprimento axial do globo ocular em quatro pacientes que apresentavam alterações fundoscópicas de alta miopia para acompanhamento deste crescimento ao longo do tempo. Talvez este exame seja útil também para programação cirúrgica ou para se avaliar prognóstico cirúrgico.
As mutações relatadas na literatura que apresentam fenótipo de Síndrome de Marfan predominantemente ocular são as que ocorrem no éxon 21 que levam à mudança de aminoácido C890R e no éxon 59 com a mudança de aminoácido E2447K. A mutação encontrada em um paciente deste estudo foi de sentido trocado que ocorreu no éxon 28 levando à mudança de aminoácido C1166Y. A paciente é uma menina de 8 anos e nove meses, caso esporádico, filha de casal não consangüíneo. Apresentava subluxação do cristalino bilateral e alta miopia além de outras manifestações não oculares, correspondendo ao fenótipo de Síndrome de Marfan clássica.
O tratamento das alterações oculares se baseia no acompanhamento para diagnóstico precoce das complicações da subluxação do cristalino, glaucoma, e alterações vitreorretinianas, e correção óptica das ametropias. A prescrição de óculos pode ser difícil mas é a indicação na grande maioria dos casos. O uso de lentes de contato pode ser indicado para correção de afacia em alguns casos. A cirurgia para correção de subluxação com retirada do cristalino deve ser indicada apenas quando a correção óptica não for satisfatória, pois a incidência de complicações, como glaucoma e descolamento de retina, é alta. A técnica cirúrgica varia muito desde facoemulsificação à extração extra ou intracapsular, ou ainda lensectomia dependendo da localização e grau de subluxação do cristalino. Na opinião dos autores deste trabalho, a incidência de complicações parece ser mais freqüente nos casos com diâmetro antero-posterior do globo ocular aumentado.
As alterações oculares da Síndrome de Marfan são freqüentes e o conhecimento do gene responsável FBN-1 e de sua expressão no olho auxiliam o diagnóstico e tratamento destas anomalias. Este trabalho identificou uma mutação no gene da FBN-1 distinta das relatadas na literatura, uma mutação de sentido trocado que ocorreu no éxon 28 levando à mudança de aminoácido C1166Y. A correlação clínico-molecular ainda é difícil pois mutações no gene FBN-1 nem sempre são encontradas. Talvez porque as mutações não estejam nas áreas codificadas do gene ou porque existam outros genes responsáveis.
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492002000600005&lang=pt#back1
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